Sim e não.
Sim, porque tecnicamente, é possível.
Não, porque do modo como as coisas vão, não vai acontecer.
Um dos grandes trunfos do capitalismo moderno é o consumismo extremo. Todo nosso modo de vida hoje é moldado por e para o consumismo e nos distanciamos do mundo real pra viver num mundo completamente artificial, dentro de uma bolha de consumo. Definimos o que é uma vida boa e ruim, direta ou indiretamente, com base no padrão de consumo, definimos nossos objetivos de vida baseado no consumo, nos sentimos felizes quando consumimos, idolatramos marcas e propriedades intelectuais como se fossem ídolos. Hoje, sequer temos a capacidade de compreender como seria uma vida sem consumo. Existir é consumir.
E daí vem duas questões principais: primeiramente, que o consumo traz um conforto imediato, e ninguém quer abandonar esse conforto. A vida é muito ruim pra se privar de um pequeno momento de bem-estar, não é? E uma revolução significa sacrificar todos nossos pequenos confortos por uma causa maior a longo prazo, e ninguém quer isso de verdade. O capitalismo “entende” isso muito bem e está a todo momento nos bombardeando de pequenos mimos, sem parar, pra nos manter nesse estado de inércia consumista. A outra questão é que a vida dentro de uma sociedade pós revolução seria uma vida sem o consumismo e como toda nossa vida é voltada para o consumo, a realidade é que as pessoas não querem isso. Até mesmo boa parte da galera militante, quando tem o consumismo internalizado confrontado, acaba cedendo para o lado das grandes marcas e dos seus pequenos confortos. Agem e pensam como se fosse possível fazer uma revolução sem abandonar o modo de vida consumista, e não é. Sem destruir a cultura de consumo, não tem como destruir o capitalismo tardio, e a ideia de revolução não vai passar de um escapismo mental.
Nossas esquerdas têm muitos pontos de convergência e divergência, mas ainda não vi nenhuma que coloca o nosso sistema de consumo como a maior ameaça a ser combatida. Pouca gente sequer aborda essa questão. A meu ver, a única maneira de combater o capitalismo, na proporção que atingiu, seria o enfraquecendo pouco a pouco, por meio da quebra organizada do nosso padrão de consumo e combate ao culto às marcas, enquanto organizando e fortalecendo trabalhadores, deixando que o sistema entrasse em crise, para então combater um capitalismo enfraquecido, com uma classe trabalhadora fortalecida. E ainda assim, seria desafiador.
Por isso que digo com muita certeza que enquanto formos psicologicamente dependentes do consumo que o capitalismo nos proporciona, não haverá revolução.
Mas quando que proponho algo vindo do próprio capitalismo ali no texto? Consumo “sustentável” e “consciente” também é consumo, é uma reação capitalista a pensamentos que ameaçam o sistema, pra apaziguar as pessoas. Confrontar o consumo é não consumir. Isso que enfraquece o capitalismo, deixar que as empresas entrem em crise e quebrem, rejeitar seus produtos e serviços, tanto físicos quanto digitais. Não falo isso no sentido de viver precariamente ou de passar fome, mas no sentido de abandonar os excessos do consumismo, produzir ao máximo o que precisamos, olhar pra uma grande marca e não ver nada além de uma força opressora, ao invés de uma fonte de prazer. Isso se alinha bastante com a linha de pensamento que @vietcauang@lemmy.eco.br postou aqui de criarmos nossas próprias cadeias produtivas paralelas. Aliás, a única iniciativa que conheço nesse sentido é o mst, e é um ótimo exemplo, pois a produção do mst tem um perfil diferente da latifundiária, que não satisfaria a um padrão consumista, mas que nos permite ter uma vida digna e livre.